A responsabilidade de cuidar de um filho doente pode gerar grande angústia para pais que trabalham fora. Conciliar as demandas do trabalho com a necessidade de atenção à saúde da criança é um desafio que muitas famílias enfrentam. Mas e quando a falta ao trabalho para cuidar do filho doente resulta em demissão? Essa situação delicada levanta diversas questões sobre os direitos da empregada.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não prevê especificamente a falta ao trabalho para cuidar de filho doente como uma justificativa legal. No entanto, o artigo 473 inciso XI, da CLT, introduzido pela Lei nº 13.257/2016, os trabalhadores têm o direito de se ausentar por um dia ao ano para acompanhar o filho de até seis anos de idade em consultas médicas, sem prejuízo do salário. Ou seja, essa falta justificada implica que o trabalhador não sofrerá desconto salarial pela ausência.
Atenção: a lei não obriga o empregador a abonar as faltas, ou seja, a empresa pode descontar o dia de trabalho. Mas, é importante verificar se há alguma previsão em acordo ou convenção coletiva da categoria.
As decisões judiciais mais recentes têm considerado que a ausência no trabalho por curtos períodos para acompanhar o em consultas médicas deve ser aceita. Essa interpretação se baseia na aplicação de princípios importantes como a boa-fé, a dignidade humana e o valor social do trabalho.
O atestado médico justifica a ausência do empregado ao trabalho, comprovando a necessidade do afastamento. No caso de falta para cuidar de filho doente, o atestado médico da criança pode ser apresentado como justificativa, mas, como já mencionado, a empresa não é obrigada a abonar a falta.
Sem dúvida, o trabalhador deve apresentar atestado médico e avisar ao seu superior o mais breve possível sobre sua ausência.
Em uma análise mais aprofundada, observamos que a jurisprudência contemporânea tem se mostrado sensível à necessidade de flexibilizar as relações trabalhistas, reconhecendo a importância do acompanhamento familiar em momentos de fragilidade. A licença para acompanhar filho ou pai idoso ao médico, mesmo que por curtos períodos, tem sido interpretada como uma extensão natural dos direitos fundamentais, consolidando a aplicação de princípios como a boa-fé, a dignidade humana e o valor social do trabalho.
Essa abertura jurisprudencial, que ultrapassa a previsão literal da CLT – limitada a uma vez ao ano –, encontra respaldo não apenas nos princípios constitucionais, mas também no compromisso com as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prioriza a proteção integral da família.
O Protocolo do CNJ para Julgamento com Perspectiva de Gênero traz diretrizes para que as decisões judiciais considerem as desigualdades de gênero existentes na sociedade. No contexto trabalhista, esse protocolo é fundamental para garantir a proteção dos direitos das mulheres, especialmente em relação à maternidade.
A demissão de uma empregada que falta ao trabalho para cuidar de filho doente pode ser considerada discriminatória, configurando abuso de direito por parte do empregador. Afinal, as responsabilidades com os cuidados dos filhos ainda recaem majoritariamente sobre as mulheres, que muitas vezes não tem com quem deixar seus filhos quando estão doentes, pois as escolas não aceitam crianças nesta condição.
Após demitir por justa causa trabalhadora que faltou ao serviço para cuidar da filha de um ano que estava doente, um supermercado atacadista de Nova Mutum/MT deverá reverter, por determinação da Justiça do Trabalho, a pena aplicada. A empresa alegou que aplicou a penalidade em razão de atrasos e faltas, incluindo uma ausência em julho de 2024.
A trabalhadora argumentou que avisou a empresa sobre a possível ausência, enviando uma mensagem na noite anterior para informar que poderia faltar caso não conseguisse alguém para cuidar da criança.
A empresa atacadista argumentou que a dispensa se deu por desídia, sustentando um histórico de dois atrasos e três faltas sem justificativas, com aplicação de advertências e suspensão antes da justa causa.
Ao avaliar o caso, o juiz Paulo Cesar da Silva, da Vara do Trabalho de Nova Mutum, converteu a demissão por justa causa em dispensa sem justa causa, assegurando à trabalhadora o direito às verbas rescisórias. Ele apontou que a caracterização de desídia requer uma reiteração de atos de desleixo, o que não ocorreu neste caso, em que a empregada se antecipou e comunicou previamente à empresa sobre a possibilidade de faltar para cuidar da filha adoentada, demonstrando que não houve descompromisso com o trabalho.
O magistrado destacou que, desde o início do vínculo empregatício, em 2021, a ex-empregada havia recebido apenas uma advertência e um atraso antes de 2024, ano em que passou a ter os cuidados próprios pós-maternidade. Conforme afirmou, a situação da trabalhadora exige uma compreensão da realidade vivenciada por ela à época da rescisão do contrato.
A sentença destacou ainda o dever de solidariedade previsto na Constituição que envolve a família, o Estado e a sociedade na proteção de crianças e jovens. “Não se pode desprezar o papel constitucional e moral da trabalhadora de ser responsável legal por sua filha menor, assim como o dever de solidariedade da empresa, que lhe impõe, no mínimo, a obrigação de compreender que seus empregados também são pais, mães e cidadãos”, salientou o juiz.
A decisão foi fundamentada também no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dentre outros pontos considera a vulnerabilidade enfrentada por mulheres no mercado de trabalho. O juiz atribuiu valor ao relato da trabalhadora, que optou por cuidar da filha em casa sem buscar atendimento médico imediato, não tendo portanto um atestado médico para justificar a ausência.
Ele lembrou que essa atitude é comum entre pessoas que cuidam de crianças. “Isso porque é corriqueiro que crianças pequenas adoeçam sucessivas vezes com gripes, resfriados e enfermidades respiratórias menos graves, já sabendo os pais, em razão disso, lidar com aquela sintomatologia, o que dispensa, pelo menos a priori, dirigir-se até um posto de saúde, onde se costuma enfrentar longa espera e sujeitar-se a outras enfermidades”, acrescentou.
A decisão reforçou que a trabalhadora retornou ao trabalho na tarde do mesmo dia, assim que conseguiu alguém para ficar com a filha, conforme testemunhado pela representante da empresa. Para o magistrado, isso também demonstrou o comprometimento da trabalhadora, contrariando a alegação de desídia.
Perspectiva de Gênero
Instituído pelo CNJ em 2023, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero reconhece que critérios de produtividade e assiduidade frequentemente ignoram a carga extra de responsabilidades enfrentadas por mulheres, especialmente aquelas com filhos pequenos. O documento orienta que juízes e magistrados considerem esses fatores a fim de não perpetuar desigualdades.
Ao analisar o caso de Nova Mutum, o magistrado pontuou que os processos envolvendo mulheres, especialmente a maternidade, devem contar com um olhar especial dos julgadores, por se tratar de grupo socialmente vulnerável, historicamente excluído, para quem foi relegada atividades domésticas e cuidado dos filhos, o que ainda traz empecilhos para manutenção no emprego e de progressão na carreira.
Por fim, o magistrado destacou o dever de se cumprir os direitos previstos na Constituição e na legislação que cada vez mais exige adaptações razoáveis à realidade dos empregados, em respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia. “Não pode a empresa, que tem uma função social constitucional a cumprir, simplesmente entender que a falta da autora decorreu de uma desorganização pessoal da sua vida e que a empresa nada tem a ver com essa suposta desorganização”, frisou.
Com a reversão da justa causa, o supermercado foi condenado ao pagamento de aviso prévio e multas como dos 40% do FGTS. Por se tratar de decisão de primeira instância, cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT).
PJe 0001089-82.2024.5.23.0121
TRT23
Com base em pesquisas no Google e no Answer the Public, selecionamos algumas perguntas frequentes sobre o tema:
De acordo com o artigo 473 inciso XI, da CLT, introduzido pela Lei nº 13.257/2016, os trabalhadores têm o direito de se ausentar por um dia ao ano para acompanhar o filho de até seis anos de idade em consultas médicas, sem prejuízo do salário.
A demissão nesse caso é controversa e pode ser questionada judicialmente, principalmente se a empresa não abonar a falta mediante a apresentação de atestado médico.
Embora não haja uma lei específica para essa situação, o Protocolo do CNJ para Julgamento com Perspectiva de Gênero garante que as decisões judiciais considerem as desigualdades de gênero e a responsabilidade da mulher nos cuidados com os filhos.
Ações trabalhistas podem ser um pesadelo para qualquer empresa, gerando custos e dores de cabeça. Lidar com questões trabalhistas exige conhecimento e atenção, especialmente em situações delicadas como a demissão de uma empregada que precisa se ausentar para cuidar de filho doente. A prevenção é fundamental para evitar passivos trabalhistas e garantir a segurança jurídica da sua empresa.
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